Para todos os brasileiros, ficou nítido o impacto das políticas públicas na evolução da pandemia de Covid-19 e a importância da ciência na orientação dos governantes e da sociedade em questões de saúde. No entanto, o papel da ciência na política é muito maior que isso. Com a recente crise econômica e política, há uma grande oportunidade para que o Brasil avance pautas da economia verde. E um dos pilares da retomada verde da economia brasileira precisa ser a reintegração da ciência na esfera política. Vamos entender o porquê.
O papel das diversas disciplinas científicas no desenvolvimento do Brasil é triplo:
Primeiro, pesquisadores das ciências naturais são fundamentais para possibilitar o monitoramento e entendimento dos processos e fluxos naturais do planeta Terra, o que é crucial para informar a sociedade sobre como possibilitar um desenvolvimento econômico que seja ecologicamente correto e sustentável no longo prazo.
Em segundo lugar, o planejamento e avaliação das políticas públicas e privadas que irão criar os incentivos necessários para essa transição para uma economia de baixo carbono deve ser feito por cientistas sociais, entre os quais economistas. Economia, enquanto ciência, é o "estudo dos recursos escassos, para fins externos". Isso inclui, por exemplo, o estudo sobre a escolha entre alternativas de alocação diferentes que almejem uma retomada econômica verde para o Brasil. Qual opção de instrumentos de mercado (como taxas, subsídios ou precificação de carbono) irá gerar a maior redução de carbono na atmosfera (ou seja, é a melhor opção para mitigação dos efeitos climáticos), pelo menor custo (tanto custos monetários da implementação quanto custos indiretos como perda de bem-estar), dada uma meta de redução que um governo tenha definido (por exemplo nos acordos de Paris ou na COP no ano passado)? Não é possível responder essa pergunta sem conhecimento científico.
Em terceiro, é importante lembrar que o incentivo a um crescimento verde é uma estratégia com o objetivo direto de possibilitar recuperação econômica. Para que isso aconteça, é necessário que exista melhora na produtividade e competição do país, principalmente no que diz respeito à proteção ambiental. Nessa estratégia, a ciência é crucial para geração de novos conhecimentos e tecnologias.
Existem no mundo vários exemplos de como a ciência pode integrar o debate público e fomentar o desenho de boas políticas, seja com mais verbas destinadas a universidades e institutos de pesquisa, seja na consulta a especialistas na hora de planejar novas iniciativas públicas ou avaliar os impactos econômicos, ambientais e sociais de iniciativas já implementadas. Estudos recentes mostram evidências empíricas de que regulamentação ambiental rigorosa e integração em mercados de baixo carbono podem não só estimular a inovação tecnológica e científica, mas também melhorar a capacidade produtiva e aumentar a competitividade, o que é conhecido em "economês" como Hipótese de Porter.
Porém, vemos o governo brasileiro indo na direção contrária. Reduções drásticas do orçamento da ciência e tecnologia, fomento ao negacionismo científico, descontinuidade de pesquisas essenciais para planejamento econômico como o censo demográfico e a recusa em integrar ciência, meio ambiente e economia em um plano de governo são apenas alguns dos muitos exemplos de retrocessos. Parece que há uma insistência em considerar a proteção ambiental e o fomento à ciência e educação barreiras para o crescimento econômico, e uma renúncia à criação de incentivos para ciência e tecnologia.
Sem que haja ciência na política, não há como possibilitar que o Brasil transite para uma retomada econômica verde. Por isso, para a reconstrução da economia brasileira, é importante defender que vejamos mais #ciêncianaseleições.
Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil.
É um dos melhores que li ultimamente nesta coluna. Parabéns.